Júlio e Púlio. Irmãos. Gêmeos. Vizinhos, companheiros no basquetebol, colegas de trabalho. Dia sim, dia também os dois acordavam na mesma hora, levantavam da cama pelo mesmo lado e tomavam o comunicador nas mãos. Dia sim, dia também. Se eram excêntricos? E não? Mas o comunicador era engenhoso. Uma lata de Sustagem, um fio de barbante puído e uma lata de óleo Lisa na outra ponta. Coisa que criança de dez anos nenhuma era capaz, sequer, de imaginar. Júlio e Púlio. Irmãos. Gêmeos.
O sonho de Júlio sempre foi encontrar uma esposa. Uma esposa que lhe lembrasse sua avó, velha e carcomida, mas com muito amor pra dar. Não é a toa que sua avó era conhecida como Aranha Enrugada nas ruas da parte baixa. Ele era romântico. Púlio não. Púlio era bravo, queria um cachorro. Feroz. Capaz de aniquilar em poucos segundos o filho do vizinho na próxima vez em que o retardado chutasse a maldita bola em seu portão recém pintado. O portão era como um filho para Púlio.
Júlio só comia salsichas temperadas por Púlio que, por sua vez, não comia nada. Ele acreditava que essas coisas industrializadas o faziam mal, artigos naturais para ele eram impregnados de agrotóxicos e não acreditava em orgânicos. Só tolerava a manteiga, e era só de que se alimentava. Dizem que uma vez chegou a quebrar o braço de um amigo que lhe apresentou um pote de Qually em sua festa de aniverário de 39 anos. Ao ser questionado sobre o assunto, Púlio só bate o ombro e diz: “Mentira! Ele nem era meu amigo.”.
E numa segunda-feira suas vidas mudariam definitivamente – esse dia é lembrado e comemorado lá até hoje, é feriado na rua inteira, soltam-se balões e cantam-se canções de Agnaldo Rayol. Se encontraram no orelhão a meia distância da casa dos dois. Uniformizados, sapatos lustrados. Júlio usava o cabelo lambido para a direita, Púlio para a esquerda. Júlio sempre esteve mais na moda, era uma coisa dele. Tomaram o ônibus e caíram no sono ao passar pela terceira árvore depois da banca. Júlio acordou assustado, se debatia. Púlio se espantou com o estado do irmão e perguntou o que acontecera. Júlio, sem palavras, apontava os postes que passavam com sua mão molenga. "PROCURA-SE AMOR A PRIMEIRA VISTA. CUIDADO COM O CÃO" , era o que se via escrito em todos os postes da Avenida Tchubaruba. Os olhos de Púlio se encheram de lágrimas, seu queixo caiu e sua língua ficou dura. Teriam eles encontrado tudo que mais procuravam?
Sem pensar duas vezes saltaram do ônibus e correram ao poste mais próximo. Havia um telefone. 3451-8903-4031-1. Pensaram em ligar mas não tinham celular, nunca gostaram desse treco, podia matar se bateria explodisse na hora em que se falava. Será que eles atendiam ligação via fio de barbante puído? Era provável que não. Púlio puxou sua caneta e transcreveu o telefone para a testa de Júlio. Foram até o bar mais próximo para fazer a ligação. Antes, ligaram para o trabalho e se demitiram, aproveitaram para xingar o chefe, o Tatá, crápula. Feito isso se puseram a ligar para o telefone na testa de Júlio. Atenderam!
– Farmácia Dos Gritos, pois não?
– Eu queria saber sobre o cachorro, eu quero falar com o cachorro! - Disse Púlio, histérico.
– Cachorro é o seu pai, seu arrombado!
Júlio, desesperado arrancou o telefone da mão do irmão.
– Eu quero falar com a esposa! Me chama a esposa!
– A esposa é minha e você vai falar com o meu 38 seu filho de uma quenga! Não liguem mais pra cá ou eu mato vocês!
Se olharam, choraram por três minutos e meio. Púlio se agachou, Júlio subiu em sua garupa e se foram. Hoje em dia eles trabalham no bordel de sua avó. Em seus uniformes trazem a figura de uma aranha enrugada. Se são felizes? E não são? Todo ano, naquele dia o bordel fecha, soltam-se balões e cantam-se canções do Agnaldo Rayol. E eles gostam. Menos Júlio. Mas Púlio tá pouco se fudendo pro irmão.
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